Os olhos de quem vee, muitas vezes não enxerga o que veem.

A doença chegou sem avisar.

E sem cerimônia me roubou o sossego. Antes de confirmar a visita, foram noites  e noites de angustias, longos dias de espera até que fosse confirmada. E na certeza de ti em minha vida, querendo tirar-me a vida, eu sucumbi.

Eu chorei, desesperei, implorei que não fosse verdade, tentei fazer-lhe fraca, barganhar dias melhores, em vão. Era fato, estava em mim.

E uma longa jornada se deu inicio. Tratamentos agressivos, efeitos colaterais fortíssimos, mutilação, não apenas de meu corpo, mas do meu espírito e meu psicológico.

Quantos sonhos desfeitos, quantos sonhos sonhados, quantos planos, quantas promessas quando a cura viesse. Mas ela não veio.

Nova luta, nova mutilação, novos tratamentos e dores, e dissabores, era preciso novamente reerguer-se e recomeçar. E recomecei... Não com a coragem devida, mas com a que conseguia sentir, só que novamente a doença me surpreendeu em outras partes do meu corpo, como seu eu já tivesse perdido controle sobre ele, ela tentava me dominar.

Prognóstico ruim, cura? Não mais. Como assim? E lá se foram longos dias de angustia e dor, sofrimento sem par. Na minha angustia clamei ao Senhor... e porque clamei, porque muitos clamaram, hoje esperanças foram renovadas e não, eu não estou curada. Mas tenho um horizonte, um norte, um lugar a chegar e quem não tem isso, não está vivo, mesmo que vivo esteja.

 O corpo em nada lembra o que fui um dia, faltam-lhe forças, falta-lhe partes,  seios, cabelos, vaidades, sobram-lhe quilos, cansaço e fadiga. Aos olhos humanos, aos olhos de quem só vê aparência, sim, não sou mais a mesma. Mas quer saber?

Onde você vê uma pessoa gorda e deformada; onde você vê uma mulher que tem que esconder sua careca pra não ofender os olhos mesquinhos; onde você vê uma pessoa sendo amparada pra andar; cujo direito de ter uma vida social é tirado; onde vês uma professora que não “professoreia” mais e sofre por isso; uma mãe que sofre por não saber se verá os filhos crescerem, se encaminharem; uma esposa que virou filha, fardo; uma amiga esquecida ou lembrada de vez em quando; onde você vê uma coitada que tem câncer; eu vejo uma filha amada de Deus. Que mesmo com todas minhas imperfeições, cuida e me ampara, renova minhas forças toda vez que caio e me carrega no colo, quando não suporto mais andar.

Definitivamente não sou mais eu, mas com certeza uma pessoa bem melhor. Mais feliz.

Feliz? 

Sim, porque aprendeu o valor da vida, do sorriso de filho, do minuto que se pode estar junto e quantos outros aprendizados. Então da próxima vez que olhar pra mim com pena, pesa os seus valores, meça as suas palavras, reveja seus preceitos e preconceitos e me olhe com os olhos do coração, de amor...

Tente enxergar bem mais que seus olhos podem ver...